segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O que fica após a morte de um filho?

O que fica após a morte de um filho? O que resta, a cada novo dia, perante o vazio e a ausência?
ANA GRANJA

"SEM TI, INÊS" foi escrito após ter perdido a minha filha, com apenas 15 anos. Apesar da necessidade que senti de verbalizar a minha dor, continuo convicta que a dor da perda de um filho é uma dor que não se diz, não se comunica, pois só é inteligivel para aqueles que tenham tido esta experiência devastadora... Ser pai ou mãe não é condição suficiente para entender aquilo por que estamos a passar, só a cumplicidade de uma dor partilhada permite que sejamos compreendidos.

Acompanhei com muita comoção e consternação as notícias da morte do seu filho. Visitei o seu blog vezes sem conta, testemunhei as suas palavras de coragem, e senti uma revolta enorme pela injustiça e crueldade desta vida. Ninguém devia ter que enterrar um filho, é a inversão completa de uma lógica que agora já sabemos não existir.

A perda de um filho é um marco nas nossas vidas: há um antes e um depois. Nunca mais voltamos a ser as mesmas pessoas, as datas mais significativas são agora as mais difíceis de suportar, e ainda que os outros nos digam que o tempo cura tudo, estou convencida que esta dor não passa. Infelizmente, acho que nos resta aprender a viver com este sofrimento dilacerante, com esta saudade que sufoca, com esta ausência insuportável. Pela parte que me toca, tenho a certeza que não terei tempo de vida suficiente para fazer o luto da minha filha (ainda que viva 100 anos). Não me imagino sequer a deixar de sofrer pela falta que ela me faz... As palavras "superar" ou "ultrapassar" são até ofensivas para o meu coração de mãe em luto. Prefiro pensar em assimilar, integrar a sua ausência em mim, aconchegá-la na minha memória e no meu amor infinito, de onde nunca mais a deixarei sair...

O Tiago e a Inês são do mesmo ano, também a minha filha teria completado 24 anos este ano. Vou confessar-lhe uma coisa: ainda que não acredite em Deus ou qualquer força transcendente, quando soube da morte do seu filho não pude deixar de os imaginar juntos, algures, a travar conhecimento e a conversar sobre temas e interesses comuns... Quem me dera que tal fosse possível...

Deixo-lhe um abraço cúmplice, bem apertadinho (que envolva também a mãe e o irmão do Tiago) Eu sei bem o que estão a passar...
Se precisar de desabafar, eu estou sempre aqui...


Ana Granja

terça-feira, 3 de março de 2015

Porque um qualquer cromossoma resolveu pregar esta terrível partida!

O médico, falou, explicou todos os passos e etapas, procedimentos, consultas, especialidades, ortodôncia , terapia de fala, otorrino, enfim, tinha ao longo daquela meia hora falado sobre todas as nossas dúvidas, perguntas, medos, resultados passo a passo, datas, idades, tempo e evoluções. Não tínhamos  perguntas a fazer, de certa maneira haviam sido todas respondidas com aquelas explicações. Tinha-mos sim era muita tristeza, muita dor nos nossos corações. Porquê? Porque é que uma criança que ainda não nasceu já tem um futuro traçado para sofrer, porquê?
Porque um qualquer cromossoma resolveu pregar esta terrível partida!
Passados alguns dias a Guida voltou a marcar consulta com a obstetra.
-Olá Margarida, já sei que estiveram com o Dr. Costa Santos, espero que estejam mais elucidados, ele é um excelente médico e tem um carinho muito especial por crianças para além de se ter especializado nestes problemas. Agora vamos-nos preparar para uma gravidez de alto risco, não que haja algum problema mas o Dr. Costa Santos quer estar presente depois do Tiago nascer afim de se certificar se ele tem forma de se alimentar sozinho ou, se é necessário alguma intervenção após o nascimento.
Queria isto dizer que o Tiago poderia nascer com a fenda do lábio e sobretudo do palato maior que o suposto e, assim sendo não teria forma de sucção nem para o peito nem para a tetina o que forçaria a uma pequena cirurgia de urgência.
Passámos dois meses angustiantes procurando cada vez mais literatura sobre lábio leporino e ficámos a saber que na época já lhe davam um nome mais pomposo, mais cirúrgico para não ser tão rude, ou seja “fenda do lábio” e “ fenda do palato.
O Natal estava aí, muita agonia mas já muita coragem e vontade de arregaçar as mangas para enfrentar o que estava para chegar, uma vontade doida de agarrarmos o nosso filho e começarmos a luta juntos.

Comprávamos os fatinhos, as meias em miniatura os babygrows, os seus primeiros brinquedos, o bercinho, as toalhinhas de banho, os cremes e as colónias de bebé.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A nossa primeira visita a um Hospital

Na semana seguinte fomos a uma consulta á obstetra que estava a seguir a Guida. É uma médica com imensa experiência e, para além disso também já tinha seguido uma colega  que tinha tido gémeas, havia alguma amizade e muita confiança.
-Então Margarida, como está?
-Doutora, o meu menino vai nascer com lábio leporino!
-Oh não! Bem, não é muito grave, há vários artistas de cinema e pessoas célebres que também nasceram assim, é um problema estético e nós vamos arranjar os melhores médicos da especialidade, eu prometo.
Assim fez, ligou alguns dias mais tarde para nos dirigirmos ao Hospital de Santa Maria, pois já tinha falado com um colega cirurgião, Dr. Costa Santos, que era na sua opinião, um dos melhores especialistas para estes casos. Começava assim, a nossa primeira visita a um Hospital com o nosso Tiago, com apenas sete meses de gestação.
Alguns dias mais tarde fomos direitos ao Hospital de Santa Maria. Era manhã cedo, para este hospital tinha sempre que se chegar muito cedo pois as marcações eram sempre por ordem de chegada embora neste dia não fosse esse o nosso caso.
Entrámos, seguimos por aquela alameda da fachada central do Hospital, perguntámos onde era serviço, descemos, entrámos num pátio interior onde se localizava a cantina dos médicos e enfermeiros, por traz ficava os consultórios de medicina reconstrutiva infantil. Uma entrada com bancos corridos do lado direito, os balcões de atendimento do lado esquerdo e, ao fundo, uma sala de espera separada dos consultórios por duas portas grandes envidraçadas com molas laterais, tipo Texas.
-Dr. Este casal vem para falar com o senhor, vêm mandados de uma colega  obstetra.  Informava a funcionária da recepção.
-Bom dia, a Dra. Madalena falou-me de vocês e do vosso bebé, por favor venham comigo.
Entrámos de imediato no consultório, eram oito e meia da manhã, o médico nunca se atrasava, era sempre dos primeiros a chegar. Era um homem grande, forte com umas mãos enormes, muito boa figura aí pelos seus cinquenta anos. Convidou-nos a sentar e depois de devidamente instalados disse:

-Bom dia, vou informa-los de todo o processo que eventualmente nos espera… se quiserem ser seguidos aqui comigo. Vou tentar esclarece-los  de todos os cenários e procedimentos que de uma maneira geral se tem que ter com estas crianças, se no final tiverem dúvidas, ponham-nas, combinado.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

A ECOGRAFIA…


O Tiago foi uma criança muito desejada, a gravidez sempre muito bem acompanhada, tanto assim que aos sete meses de gestação fomos fazer aquela que seria a ultima ecografia e, para tal levámos uma cassete vídeo, daquelas enormes, para gravarmos as primeiras imagens de vida do nosso menino. Foram dos primeiros vídeos de ecografia que se começaram a gravar numas máquinas novas para os pais poderem levar para casa e não ser só aqueles papelinhos com imagens em forma de cone a preto e branco, escusado será referir que se tinha de pagar mais um tanto além da consulta.

-Estes são os pezinhos, aqui os braços, este é o coração a bater, e agora vamos lá ver a carinha deste rapagão. – Ia relatando a Dra. Joaquina. Uma médica especialista em ecografia, para onde a médica da Guida já nos tinha encaminhado nos exames anteriores.

Parou, insistiu no mesmo sítio, voltou a insistir e ao fim de uns longos minutos foi consultar alguns livros e por fim perguntou.

-Vocês têm alguém na família com lábio leporino?

-Lábio leporino, que é isso? – Perguntei eu com toda a minha ignorância sobre doenças. Eu nunca fui e não sou uma pessoa com interesse por doenças, medicamentos, médicos, especialidades ou seja lá o que for em relação a esses assuntos, tenho pena mas efetivamente só vou tendo algum conhecimento a propósito do que me tem vindo a acontecer durante a minha vida, ou a pessoas próximas.

Mas logo a Guida ficou super nervosa, preocupada e, começou a chorar. Ela sim, ela sabe quase tudo sobre doenças, medicamentos, médicos. Lê sobre esses assuntos, tem interesse e, gosta.

-Não doutora, por favor conte-me tudo, por favor não me esconda nada, o que é que a doutora viu, diga-me?

-O vosso filho vem com lábio leporino e uma pequena fenda no paláto.

O nosso teto estava a cair pela primeira vez. O sofrimento tinha começado, longe de imaginar-mos o que nos esperava.

-Não estejam assim, pois hoje em dia as cirurgias para estes casos já estão muito avançadas, estamos a falar apenas de uma pequena má formação estética, de resto ele é um rapagão saudável. – Dizia a médica muito atrapalhada mas com alguma vontade de nos confortar.

Saímos daquele consultório desfeitos, neste momento já me tinha sido explicado o que era o lábio leporino, que de certa maneira conferia com a fraca ideia que eu tinha. Chegámos a casa e, pensámos consultar outro médico para repetir a ecografia.

 A cassete, onde está a cassete? Tirámo-la do saco, colocámo-la no leitor, vimos o filme, revimos, voltámos a ver, uma vez mais e mais. Não havia dúvida, estava lá, era bem percetível a pequena fenda, o nosso menino tinha lábio leporino.

Durante o fim-de-semana viemos para a rua, queríamos encontrar alguém com essa má formação, já todos nós vimos algumas pessoas com o lábio cozido, como se fazia antigamente, eram apenas uns pontos e, depois, ficavam com o lábio ligeiramente arrepanhado, queríamos falar, queríamos perguntar, queríamos saber.

Fomos para supermercados, centros comerciais, vagueámos pelas ruas sem rumo sem destino, andámos, simplesmente andámos de cabeça no ar olhando para a direita, olhando para a esquerda á procura. Olhávamos para as pessoas, para toda a gente como loucos e, nada, não víamos nada, não encontrámos ninguém. Fomos para as livrarias á procura de livros, fotografias nos livros, médicos, enfim, horrível, só nos restava chorar e consolármo-nos um ao outro.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Era um miúdo com uma fé incrível

(Nestas alturas questionamos tudo, a vida, a educação, a política, os médicos, a religião…)


A religião sim! Eu toda a vida fui um homem de fé, não praticante beato, mas de muita fé. A minha educação foi sempre encaminhada para a religião católica. Enfim, Deus, Jesus, apóstolos, a virgem, santos e tudo o que envolve essa tal orientação. Íamos á missa quando nos apetecia ou sentíamos necessidade, e, em ocasiões importantes, como casamentos, onde se jura tudo numa enorme alegria, com vontade que o padre despache aquilo pois o pessoal quer mesmo é festa, e nada do que se jura, passando para a vida real, raramente é cumprido. Baptizados, onde depois poucos são os ensinamentos que se dão ás crianças.
Como assim?
Basta irmos a uma qualquer missa e ver quantas são as pessoas que conseguem acompanhar aquela ladainha, dita de tal modo, que chegamos a sair em dias maus, mais deprimidos e tristes do que entrámos. Grande parte só mexe os lábios para fingir que sabem toda aquela retórica, quase me atrevia a dizer que algumas nem o Pai Nosso completo sabem.
Isso também não é de estranhar pois vivemos num País onde 70% da população não sabe o Hino Nacional!
Voltando á religião… Por onde andaram esses Deuses que nem por um momento se esforçaram para salvar ou dar uma segunda oportunidade ao meu filho…
O Tiago só foi baptizado aos onze anos. Sempre achámos que deveria ser ele a seguir a religião que entendesse, muito embora a linha que traçámos para o orientar fosse a católica.
Era um miúdo com uma fé incrível. Quando foi operado pela primeira vez nos HUC, onde foi mandado internar pelo Prof. de gastrologia após um mês de exames, os últimos, endoscopia e colonoscopia, seriam nos HUC, que correram muito mal. Durante a colonoscopia a médica pensou ter perfurado os intestinos ao Tiago, tal foram os gritos com dores apesar da anestesia.
Tendo sobretudo a mãe insistido para que o Tiago parasse de treinar para fazer exames e saber-se de onde vinham aquelas dores e mau estar, foi só em Maio que pediu e se dispôs a ir a uma consulta a um especialista.
 Assim foi, a mãe com a máxima das urgências tratou de encontrar o melhor médico para seguir o nosso filho. Foi á consulta onde lhe foi pedido uma bateria sem fim de análises, exames, tudo.
Passados poucos dias fomos buscar o resultado de parte das análises que o Professor mandou fazer, com a nossa aflição dirigimo-nos ao consultório, na expectativa de que os resultados fossem vistos.
-O Professor não tem como vos receber, está com a agenda super cheia, hoje só irá sair daqui por volta da meia-noite. – Informou a recepcionista do consultório do médico.

Então, deixámos os exames para que o médico os pudesse analisar afim de sabermos mais alguma coisa, ou se eventualmente se poderia adiantar com algum tratamento.

sábado, 20 de julho de 2013

Para ti...


Para ti…
Filho vou tentado achar o rumo por aqui, reaprendendo ser, sem te ter. Não, não vou perder a esperança nem desistir, pois foi essa força que me deixas-te antes mesmo de partires…! “Nunca desistir nem baixar os braços” ás adversidades que nos vão surgindo nesta passagem por cá. Tenho tantas saudades de nós, que nem todo o amor que eu sinto por ti consigo exprimir…!
Mãe

sábado, 2 de março de 2013

Nestas alturas questionamos tudo...


Da avenida da Liberdade voltámos de imediato para o IPO. Aguardámos!
O Tiago já estava nos cuidados intensivos. Quisemos velo de imediato... O pessoal do IPO de Lisboa, e eu falo deste porque infelizmente é o único que conheço, é de um humanismo extraordinário, desde as auxiliares, enfermeiras, enfermeiros, médicos, pessoal da copa, da cozinha, enfim para não cometer qualquer tipo de injustiça, todos sem excepção, são pessoas com corações e com sentimentos pelos outros que eu pensei nunca vir a encontrar, mas eles estão lá todos, e, todos os dias.
Deixaram-nos entrar, um de cada vez, mas deixaram-nos entrar a todos.
Novamente aberto, por cima da cicatriz anterior, só que desta vez ainda maior. A cicatriz cozida com pontos largos, muito grossos, muito inchada, horrível. Porquê ?
-Mãe, pai, não me tiraram o bicho, o Dr. Nuno já falou comigo e disse-me que não conseguiu fazer nada… Disse, muito baixinho junto aos nossos ouvidos, muito cansado a arfar com dificuldade em respirar com tantos tubos, drenos, cateteres, sondas, sacos, apitos das máquinas e sob o efeito da anestesia e de uma dose absolutamente incalculável de morfina.
As nossas cabeças ficaram ocas, não sabíamos, ou não queríamos entender o que se tinha passado, não conseguíamos raciocinar, parecia que estávamos a flutuar. Então, e agora? Olhava-mos em volta, mas não via-mos ninguém, onde é que nós estávamos?
Pouco tempo depois falámos com o Dr. Nuno que, pausadamente tentou, escolhendo as palavras, informar-nos o que se tinha passado.
Quando abriu o Tiago em cirurgia, as metástases e o desenvolvimento do cancro era já de tal ordem que se lhe fizesse alguma coisa ele iria falecer na marquesa de cirurgia. Foi horrível. O médico chorou connosco, a dor era geral, todo o piso seis, olhava para nós com dó, pena e muita dor.
É muito difícil descrever o que estava a sentir, digo estava a sentir porque neste momento cada um de nós estava a sofrer e a sentir a dor por si próprio. E o Tiago, que estaria a sentir o meu querido menino?
Nestas alturas questionamos tudo, a vida, a educação, a política, os médicos, a religião…