sexta-feira, 2 de maio de 2014

A ECOGRAFIA…


O Tiago foi uma criança muito desejada, a gravidez sempre muito bem acompanhada, tanto assim que aos sete meses de gestação fomos fazer aquela que seria a ultima ecografia e, para tal levámos uma cassete vídeo, daquelas enormes, para gravarmos as primeiras imagens de vida do nosso menino. Foram dos primeiros vídeos de ecografia que se começaram a gravar numas máquinas novas para os pais poderem levar para casa e não ser só aqueles papelinhos com imagens em forma de cone a preto e branco, escusado será referir que se tinha de pagar mais um tanto além da consulta.

-Estes são os pezinhos, aqui os braços, este é o coração a bater, e agora vamos lá ver a carinha deste rapagão. – Ia relatando a Dra. Joaquina. Uma médica especialista em ecografia, para onde a médica da Guida já nos tinha encaminhado nos exames anteriores.

Parou, insistiu no mesmo sítio, voltou a insistir e ao fim de uns longos minutos foi consultar alguns livros e por fim perguntou.

-Vocês têm alguém na família com lábio leporino?

-Lábio leporino, que é isso? – Perguntei eu com toda a minha ignorância sobre doenças. Eu nunca fui e não sou uma pessoa com interesse por doenças, medicamentos, médicos, especialidades ou seja lá o que for em relação a esses assuntos, tenho pena mas efetivamente só vou tendo algum conhecimento a propósito do que me tem vindo a acontecer durante a minha vida, ou a pessoas próximas.

Mas logo a Guida ficou super nervosa, preocupada e, começou a chorar. Ela sim, ela sabe quase tudo sobre doenças, medicamentos, médicos. Lê sobre esses assuntos, tem interesse e, gosta.

-Não doutora, por favor conte-me tudo, por favor não me esconda nada, o que é que a doutora viu, diga-me?

-O vosso filho vem com lábio leporino e uma pequena fenda no paláto.

O nosso teto estava a cair pela primeira vez. O sofrimento tinha começado, longe de imaginar-mos o que nos esperava.

-Não estejam assim, pois hoje em dia as cirurgias para estes casos já estão muito avançadas, estamos a falar apenas de uma pequena má formação estética, de resto ele é um rapagão saudável. – Dizia a médica muito atrapalhada mas com alguma vontade de nos confortar.

Saímos daquele consultório desfeitos, neste momento já me tinha sido explicado o que era o lábio leporino, que de certa maneira conferia com a fraca ideia que eu tinha. Chegámos a casa e, pensámos consultar outro médico para repetir a ecografia.

 A cassete, onde está a cassete? Tirámo-la do saco, colocámo-la no leitor, vimos o filme, revimos, voltámos a ver, uma vez mais e mais. Não havia dúvida, estava lá, era bem percetível a pequena fenda, o nosso menino tinha lábio leporino.

Durante o fim-de-semana viemos para a rua, queríamos encontrar alguém com essa má formação, já todos nós vimos algumas pessoas com o lábio cozido, como se fazia antigamente, eram apenas uns pontos e, depois, ficavam com o lábio ligeiramente arrepanhado, queríamos falar, queríamos perguntar, queríamos saber.

Fomos para supermercados, centros comerciais, vagueámos pelas ruas sem rumo sem destino, andámos, simplesmente andámos de cabeça no ar olhando para a direita, olhando para a esquerda á procura. Olhávamos para as pessoas, para toda a gente como loucos e, nada, não víamos nada, não encontrámos ninguém. Fomos para as livrarias á procura de livros, fotografias nos livros, médicos, enfim, horrível, só nos restava chorar e consolármo-nos um ao outro.