quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A nossa primeira visita a um Hospital

Na semana seguinte fomos a uma consulta á obstetra que estava a seguir a Guida. É uma médica com imensa experiência e, para além disso também já tinha seguido uma colega  que tinha tido gémeas, havia alguma amizade e muita confiança.
-Então Margarida, como está?
-Doutora, o meu menino vai nascer com lábio leporino!
-Oh não! Bem, não é muito grave, há vários artistas de cinema e pessoas célebres que também nasceram assim, é um problema estético e nós vamos arranjar os melhores médicos da especialidade, eu prometo.
Assim fez, ligou alguns dias mais tarde para nos dirigirmos ao Hospital de Santa Maria, pois já tinha falado com um colega cirurgião, Dr. Costa Santos, que era na sua opinião, um dos melhores especialistas para estes casos. Começava assim, a nossa primeira visita a um Hospital com o nosso Tiago, com apenas sete meses de gestação.
Alguns dias mais tarde fomos direitos ao Hospital de Santa Maria. Era manhã cedo, para este hospital tinha sempre que se chegar muito cedo pois as marcações eram sempre por ordem de chegada embora neste dia não fosse esse o nosso caso.
Entrámos, seguimos por aquela alameda da fachada central do Hospital, perguntámos onde era serviço, descemos, entrámos num pátio interior onde se localizava a cantina dos médicos e enfermeiros, por traz ficava os consultórios de medicina reconstrutiva infantil. Uma entrada com bancos corridos do lado direito, os balcões de atendimento do lado esquerdo e, ao fundo, uma sala de espera separada dos consultórios por duas portas grandes envidraçadas com molas laterais, tipo Texas.
-Dr. Este casal vem para falar com o senhor, vêm mandados de uma colega  obstetra.  Informava a funcionária da recepção.
-Bom dia, a Dra. Madalena falou-me de vocês e do vosso bebé, por favor venham comigo.
Entrámos de imediato no consultório, eram oito e meia da manhã, o médico nunca se atrasava, era sempre dos primeiros a chegar. Era um homem grande, forte com umas mãos enormes, muito boa figura aí pelos seus cinquenta anos. Convidou-nos a sentar e depois de devidamente instalados disse:

-Bom dia, vou informa-los de todo o processo que eventualmente nos espera… se quiserem ser seguidos aqui comigo. Vou tentar esclarece-los  de todos os cenários e procedimentos que de uma maneira geral se tem que ter com estas crianças, se no final tiverem dúvidas, ponham-nas, combinado.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

A ECOGRAFIA…


O Tiago foi uma criança muito desejada, a gravidez sempre muito bem acompanhada, tanto assim que aos sete meses de gestação fomos fazer aquela que seria a ultima ecografia e, para tal levámos uma cassete vídeo, daquelas enormes, para gravarmos as primeiras imagens de vida do nosso menino. Foram dos primeiros vídeos de ecografia que se começaram a gravar numas máquinas novas para os pais poderem levar para casa e não ser só aqueles papelinhos com imagens em forma de cone a preto e branco, escusado será referir que se tinha de pagar mais um tanto além da consulta.

-Estes são os pezinhos, aqui os braços, este é o coração a bater, e agora vamos lá ver a carinha deste rapagão. – Ia relatando a Dra. Joaquina. Uma médica especialista em ecografia, para onde a médica da Guida já nos tinha encaminhado nos exames anteriores.

Parou, insistiu no mesmo sítio, voltou a insistir e ao fim de uns longos minutos foi consultar alguns livros e por fim perguntou.

-Vocês têm alguém na família com lábio leporino?

-Lábio leporino, que é isso? – Perguntei eu com toda a minha ignorância sobre doenças. Eu nunca fui e não sou uma pessoa com interesse por doenças, medicamentos, médicos, especialidades ou seja lá o que for em relação a esses assuntos, tenho pena mas efetivamente só vou tendo algum conhecimento a propósito do que me tem vindo a acontecer durante a minha vida, ou a pessoas próximas.

Mas logo a Guida ficou super nervosa, preocupada e, começou a chorar. Ela sim, ela sabe quase tudo sobre doenças, medicamentos, médicos. Lê sobre esses assuntos, tem interesse e, gosta.

-Não doutora, por favor conte-me tudo, por favor não me esconda nada, o que é que a doutora viu, diga-me?

-O vosso filho vem com lábio leporino e uma pequena fenda no paláto.

O nosso teto estava a cair pela primeira vez. O sofrimento tinha começado, longe de imaginar-mos o que nos esperava.

-Não estejam assim, pois hoje em dia as cirurgias para estes casos já estão muito avançadas, estamos a falar apenas de uma pequena má formação estética, de resto ele é um rapagão saudável. – Dizia a médica muito atrapalhada mas com alguma vontade de nos confortar.

Saímos daquele consultório desfeitos, neste momento já me tinha sido explicado o que era o lábio leporino, que de certa maneira conferia com a fraca ideia que eu tinha. Chegámos a casa e, pensámos consultar outro médico para repetir a ecografia.

 A cassete, onde está a cassete? Tirámo-la do saco, colocámo-la no leitor, vimos o filme, revimos, voltámos a ver, uma vez mais e mais. Não havia dúvida, estava lá, era bem percetível a pequena fenda, o nosso menino tinha lábio leporino.

Durante o fim-de-semana viemos para a rua, queríamos encontrar alguém com essa má formação, já todos nós vimos algumas pessoas com o lábio cozido, como se fazia antigamente, eram apenas uns pontos e, depois, ficavam com o lábio ligeiramente arrepanhado, queríamos falar, queríamos perguntar, queríamos saber.

Fomos para supermercados, centros comerciais, vagueámos pelas ruas sem rumo sem destino, andámos, simplesmente andámos de cabeça no ar olhando para a direita, olhando para a esquerda á procura. Olhávamos para as pessoas, para toda a gente como loucos e, nada, não víamos nada, não encontrámos ninguém. Fomos para as livrarias á procura de livros, fotografias nos livros, médicos, enfim, horrível, só nos restava chorar e consolármo-nos um ao outro.