O Tiago foi uma criança
muito desejada, a gravidez sempre muito bem acompanhada, tanto assim que aos
sete meses de gestação fomos fazer aquela que seria a ultima ecografia e, para
tal levámos uma cassete vídeo, daquelas enormes, para gravarmos as primeiras
imagens de vida do nosso menino. Foram dos primeiros vídeos de ecografia que
se começaram a gravar numas máquinas novas para os pais poderem levar para casa
e não ser só aqueles papelinhos com imagens em forma de cone a preto e branco,
escusado será referir que se tinha de pagar mais um tanto além da consulta.
-Estes são os pezinhos,
aqui os braços, este é o coração a bater, e agora vamos lá ver a carinha deste
rapagão. – Ia relatando a Dra. Joaquina. Uma médica especialista em
ecografia, para onde a médica da Guida já nos tinha encaminhado nos exames
anteriores.

-Vocês têm alguém na
família com lábio leporino?
-Lábio leporino, que é
isso? – Perguntei eu com toda a minha ignorância sobre doenças. Eu nunca fui e
não sou uma pessoa com interesse por doenças, medicamentos, médicos,
especialidades ou seja lá o que for em relação a esses assuntos, tenho pena mas
efetivamente só vou tendo algum conhecimento a propósito do que me tem vindo a
acontecer durante a minha vida, ou a pessoas próximas.
Mas logo a Guida ficou
super nervosa, preocupada e, começou a chorar. Ela sim, ela sabe quase tudo
sobre doenças, medicamentos, médicos. Lê sobre esses assuntos, tem interesse e,
gosta.
-Não doutora, por favor
conte-me tudo, por favor não me esconda nada, o que é que a doutora viu,
diga-me?
-O vosso filho vem com lábio leporino e uma pequena fenda no paláto.
O nosso teto estava a cair
pela primeira vez. O sofrimento tinha começado, longe de imaginar-mos o que nos
esperava.
-Não estejam assim, pois
hoje em dia as cirurgias para estes casos já estão muito avançadas, estamos a falar
apenas de uma pequena má formação estética, de resto ele é um rapagão saudável.
– Dizia a médica muito atrapalhada mas com alguma vontade de nos confortar.
Saímos daquele consultório
desfeitos, neste momento já me tinha sido explicado o que era o lábio leporino,
que de certa maneira conferia com a fraca ideia que eu tinha. Chegámos a casa
e, pensámos consultar outro médico para repetir a ecografia.
A cassete, onde está a cassete? Tirámo-la do
saco, colocámo-la no leitor, vimos o filme, revimos, voltámos a ver, uma vez
mais e mais. Não havia dúvida, estava lá, era bem percetível a pequena fenda,
o nosso menino tinha lábio leporino.
Durante o fim-de-semana
viemos para a rua, queríamos encontrar alguém com essa má formação, já todos
nós vimos algumas pessoas com o lábio cozido, como se fazia antigamente, eram
apenas uns pontos e, depois, ficavam com o lábio ligeiramente arrepanhado,
queríamos falar, queríamos perguntar, queríamos saber.
Fomos para supermercados,
centros comerciais, vagueámos pelas ruas sem rumo sem destino, andámos,
simplesmente andámos de cabeça no ar olhando para a direita, olhando para a
esquerda á procura. Olhávamos para as pessoas, para toda a gente como loucos e,
nada, não víamos nada, não encontrámos ninguém. Fomos para as livrarias á
procura de livros, fotografias nos livros, médicos, enfim, horrível, só nos
restava chorar e consolármo-nos um ao outro.